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Polêmica na redução das NRs e os impactos na SST

As Normas Regulamentadoras são disposições complementares ao capitulo V da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que explicitam as obrigações, os direitos e os deveres a serem cumpridos por empregadores e trabalhadores com o objetivo de garantir trabalho seguro e sadio, prevenindo a ocorrência de doenças e acidentes de trabalho. O anúncio do governo, no mês de maio, prevendo a redução de 90% nas Normas Regulamentadoras, que balizam a área de segurança e saúde no trabalho no Brasil, vem causando muita polêmica e várias discussões em nível nacional. Segundo o presidente Jair Bolsonaro,a proposta é que as NRs passem por um amplo processo de “modernização”. A nota, divulgada através das redes sociais, vincula a flexibilização das Normas Regulamentadoras à retomada do crescimento. Bolsonaro afirmou que a “desburocratizaçãodas NRs proporcionará agilidade no processo de utilização de maquinários e entre suas expectativas está a geração de empregos”.

A missão de realizar as mudanças nas normas regulamentadoras ficou com Rogério Marinho, secretário especial da Previdência e do Trabalho do Ministério da Economia. Na sequência do anúncio, Rogério Marinho, afirmou que tais medidas irão “customizar, desburocratizar e simplificar” as normas regulamentadoras. Ele salientou ainda que as mudanças “permitirão um ambiente saudável, confortável, competitivo e seguro. O que vai colaborar para que a economia brasileira esteja à altura de outros lugares do mundo para gerar renda e trabalho”.

No dia 4 de junho, em Brasília, a CTPP – Comissão Tripartite Paritária Permanente, debateu a proposta de calendário para revisão das NRs, entre as quais a NR-4 (SESMT), NR-5 (CIPA), NR 7 (PCMSO), NR 9 (PPRA), NR 17 (ergonomia), NR-18 (construção civil) e NR-24 (condições sanitárias e de conforto dos locais de trabalho), além de alterações na NR-01 (geral) e na NR- 31 (emprego rural). Também foram discutidos aspectos relativos a estufagem, saneamento básico, trabalho de motociclistas, entre outros temas.

Um dos principais objetivos da reunião foi definir o cronograma da revisão das NRs. O processo inclui a realização de consultas públicas, para a apresentação de sugestões pela sociedade, reuniões de grupos tripartites, para discutir as propostas de alterações feitas nas consultas, e, por fim, aprovação do texto final na CTPP. O secretário de Trabalho da Secretaria Especial de Trabalho e Previdência, Bruno Dalcolmo, afirmou que, até o fim deste ano, o governo deve apresentar as modificações das normas que estão sendo discutidas.

O ministro Marinho mencionou que as revisões serão feitas até o fim do ano. Até o momento já foram concluídas as mudanças da NR 12 e NR 1 em consenso com a CTTP, cuja previsão é de que os textos devem ser publicados em breve. Feito isso entrará em execução um cronograma abrangendo as revisões das demais NRs.

No setor prevencionista, a observação é de que precisamos ter cautela com essas revisões e reduções de normas, principalmente porque o Brasil figura no cenário internacional como o 4º país do mundo em números de acidentes de trabalho. Segundo dados do Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho do Ministério Público do Trabalho, entre 2012 e 2018 ocorreram no país cerca de 4.738.886 acidentes de trabalhos notificados – sendo 17.315 com óbito -, o que corresponde à média de um acidente de trabalho a cada 49 segundos. Isto significou, entre 2012 e 2018, 370.174.000 dias de afastamento previdenciário, impondo à Previdência Social custos na ordem de R$ 83 bilhões de reais em benefícios acidentários.

Os riscos com as alterações estão sendo anunciados, mas ainda não existe nada de concreto. Porém, é um discurso político que deixa toda a área de SST em alerta, mas, conforme orientações de Armando Henrique, diretor do SINTESP e presidente em exercício da FENATEST, é preciso ter cautela com o conteúdo de algumas informações que estão sendo divulgadas em redes sociais, principalmente, por não serem totalmente verdadeiros. “Estamos aguardando que seja disponibilizada uma publicação da CTPP ou do governo, com a lista correta das NRs e cronograma de revisão. Hoje, se sinaliza que vamos ter a revisão de quase todas as normas, mas o índice de reduzi-las em 90% foi um discurso do presidente Bolsonaro que não tem nada concreto ainda a respeito disso”, menciona.

Agência e Código Nacional de SST

Para Armando, há que se considerar que é quase que impossível reduzir as NRs a 90%. “Isso implica em um desmonte quase que total da sistemática que move a SST, a menos que seja migrado para outro órgão competente e capaz de absorver as normas de segurança e saúde do trabalho. Por exemplo, eu defendo que seja criada a Agência Nacional de Segurança e Saúde do Trabalho, que substituiria a estrutura de governo que temos hoje representadas pela Fundacentro e o próprio MTE. E no guarda-chuva dessa agência deverá ser criado o Código Nacional de Segurança e Saúde do Trabalho, contando com exemplo bem-sucedido da Agencia Européia de Segurança do Trabalho, agregada à OSHA”, observa.

Armando destaca que reunindo todas as NRs e transformando-as em um único código seria uma forma muito mais racional de resolver a questão. “Com esse código haveria condições de fazer a filtração e harmonização das normas, que sãoas prioridades que a SST gostaria de agregar ao tema e não eliminar, revogar ou precarizar as normas existentes”, diz.

De todas as NRs a que mais preocupa a classe dos TSTs é a possível alteração da NR 4. Armando conta que o grande medo que os técnicos têm especialmente os que trabalham em empresas que já possuem gestão de SST, é que terceirização ou flexibilização do SESMT cria-se um problema muito complexo, porque o papel da segurança do trabalho é diferente de outras atividades terceirizáveis. “O profissional de SST, dentro da empresa é imprescindível para a perenidade do seu negócio. Poucos empresários perceberam ainda, mas a questão da segurança e saúde do trabalho dentro dasorganizações é tão importante quanto o setor da tesouraria, pelo fato de queesse profissional tem a memória de tudo, tem o acesso às relações pessoais dos trabalhadores e até ao cenário econômico da empresa, então, terceirizar essa área não é um bom negócio nem para o empresário”, argumenta.

Para confirmar esse aspecto, Armando conta que as grandes empresas, em especial as multinacionais, não estão interessadas em terceirizar o SESMT. “Esse discurso é mais de empresas que nunca se interessaram pela segurança e saúde do trabalho e tem isso apenas como cumprimento de norma, ou enxergam a SST como um gasto, além de que existe uma corrente que, infelizmente, defende a terceirização para vender serviços”, lembra.

Na visão de Armando como é apenas 1,5% das empresas que são obrigadas a ter o SESMT próprio e são, em sua maioria, empresas de médio e grande porte, terceirizar é um erro, mas existe o discurso no mercado, que acaba exercendo uma influência muito grande e que pode ser prejudicial nas políticas de governo.

A ameaça de que vai acabar a NR 4, vão eliminar o profissional de SST, revogar a Cipa, entre outros pontos, para Armando não há a menor possibilidade de acontecer. “Mesmo que se abordem essas mudanças com a visão econômica, não justifica uma possível extinção porque,atualmente, a maioria dos países desenvolvidos trata essa questão como parte dos negócios das empresas. Organizações que tem um currículo ruim em termos de SSTmuitas vezes têm seus produtos boicotados e até restriçõespor parte dos próprios governos. Precisamos entender que a segurança e saúde do trabalho é um princípio universal do direito do trabalho, então, acabar com isso é acabar com a OIT e todos os princípios que ela trouxe para a humanidade. É um contra senso absurdo, discurso de quem não conhece a causa”, assevera.

Para ilustrar a situação atual, Armando compara que estamos atravessando uma ponte e já tivemos vários momentos nos quais arriscamos dizer que era o fim de um ciclo e o começo de outro, mas, conforme ele, a travessia mais impactante e dolorosa nos últimos 40, 50 anos está acontecendo exatamente agora. “Tenho essa percepção porque a reforma trabalhista mexe profundamente com as relações de trabalho e estas, por sua vez, mexem profundamente com a segurança e saúde do trabalho, então da mesma forma que o movimento sindical está sofrendo um impacto muito forte, está sendo destruído, mas para ser reconstruído, a segurança e saúde do trabalho vive exatamente a mesma situação. Quem sobreviver, lá na frente, vai ter que recomeçar, mas, com certeza, com muito mais respeito e reconhecimento social”, expõe.

Este novo modelo deve priorizar, acima de tudo, a cultura prevencionista, usando alguns princípios considerados universais e absolutamente necessários, que é levar a questão da prevenção, de modo geral, para o sistema de ensino da pré-escola ao doutorado. “A PNSST já preconiza esse sistema. Mas exige um esforço das partes do governo, trabalhadores e empresários para criar uma nova estrutura que tenha governança, trazendo mais solidez ao setor de SST, pois hoje o que existe no setor são muitos‘achismos’, onde cada um lança sua estatística, defende e, no fim, não temos uma base de dados unificadas que possa servir de fonte de informação para todo o sistema”, avalia Armando. Portanto, ele atenta que se não criarmos um modelo inteligente e para isso não precisa muito investimento, não vamos avançar.

Para nós, especialistas fica muito difícil afirmar que investir em segurança dá lucro, mas na verdade o discurso deveria ser que:‘investir em segurança evita prejuízo’. “Nós sabemos que isso é real, mas convencer os nossos clientes, que são os empresários, os governos e trabalhadores não é tão simples. Essa questão é um nó que existe em nosso meio e, de repente, creio que esse tratamento de choque vai servir para fazer muita gente acordar e ver a realidade. Quem sobreviver, no futuro, vai ter uma condição melhor do que já tivemos até hoje, mas muitos vão morrer na travessia dessa ponte, talvez, a maioria dos profissionais prevencionistas”, evidencia Armando.

No bojo das mudanças em vista, atualmente, estamos com outro desafio: a possível extinção do eSocial. Armando salienta que essa previsão vai na contramão de tudo, pois se o governo defende reduzir a burocracia, o eSocial tem exatamente essa função. “O eSocial não cria nada, mas alimenta em só lugar todas as informações que os recursos humanos, a contabilidade, segurança e saúde no trabalho, etc, de uma empresa tem que mandar para o mesmo agente que é governo (Previdência, Trabalho, Receita Federal, entre outros). O mau empresário que escondeu as informações, agora vai ter que mostrar como atua, só que ele vai chegar no segundo momento e concluir com o eSocial que vai gastar menos e vai ter mais eficácia no seu processo diário”, observa.

Para a área de segurança e saúde do trabalho, apesar de que são poucas as informações que vão para o eSocial, Armando comenta que é a primeira vez que a gente vê as questões da SST sendo direcionadas para uma fonte de dados que possam servir de padrão comum para todos os interessados. “Isso é um grande ganho e com o tempo pode ser aperfeiçoado”, ressalta.

Aos colegas de profissão, Armando aconselha que procurem exercer seu papel com dedicação, competência, dignidade e, especialmente, no foco de busca de resultados, para que quem agir dessa forma, certamente, não vai ficar desempregado. “Quem estava acostumado só a vender papel ou fingir que fazia para cumprir com a lei, esses vão ter que repensar sua conduta daqui para frente. Não estou defendendo o governo, mas observando que hoje o sistema de comunicação está muito acessível e rápido, então, ou você mostra para o que veio ou acaba sem respaldo profissional e à mercê das mudanças”, conclui Armando.